Já dizia o eterno Doutor Sócrates: “A grande força do Corinthians é a emoção que a torcida passa para o time, algo numa dimensão que nenhuma outra passa”. Pois ele não poderia estar mais certo. A Fiel torcida corinthiana é dona dos maiores espetáculos já vistos dentro e fora das arquibancadas dos estádios de futebol do mundo inteiro, e é a única que pode orgulhosamente dizer que foi responsável por três dos maiores deslocamentos de seres humanos em um curto espaço de tempo em prol do seu time do coração. Seja em 1976, 2000 ou 2012, as invasões corinthianas certamente entraram para a história do futebol brasileiro e mundial. “É uma coisa que só a gente faz”, diz Carlos Eduardo Catalão, que acompanhou de perto os três êxodos alvinegros.
No primeiro deles, em 76, Carlos foi levado de dentro da barriga de sua mãe, Vera Lúcia Catalão, alvinegra de fibra que na época estava grávida de três meses. “Eu estava nas três, pô. Me lembro dos sons”, brinca o corinthiano. Seus pais, Vera e Carlos, pegaram o carro e dirigiram rumo ao Rio de Janeiro no inesquecível 5 de dezembro. Naquele dia, mais de 70 mil corinthianos invadiram o Maracanã para acompanhar a partida decisiva da semifinal do Campeonato Brasileiro. “Ingresso se comprava na hora, chegava no estádio seis horas da manhã. Já era coisa de louco ir para o Rio sem ingresso”.
O Corinthians vinha de um jejum de 22 anos sem títulos e todas as esperanças foram depositadas no time que fazia boa campanha no Nacional daquele ano. “Meu pai tinha 25 anos, ele dizia que se formou na faculdade, comprou um carro, casou, teve um filho sem ver o Corinthians campeão. Mas mesmo na fila nós crescemos, o nosso diferencial tá aí”. Além disso, o confronto marcaria o reencontro do clube com o seu mais recente ídolo, Rivellino, que havia deixado o Alvinegro para se transferir para o time carioca.
Num jogo pegado e com muita chuva, a Fiel fez mais barulho no Maraca e empurrou o Coringão, que levou a classificação nos pênaltis, e, apesar da derrota na final adiando em um ano o título do fim da fila, aquele campeonato ficou para sempre marcado pelo maior deslocamento de torcedores visitantes que se tem notícia no mundo do futebol. “Foi uma coisa monstruosa, uma coisa que os outros times não fazem e nunca vão fazer. Se mandassem mais ingressos pra São Paulo, seríamos maiores que os caras”, diz Carlos, que acredita que a primeira invasão corinthiana foi a mais icônica de todas. Ele ainda diz: “Surpreendemos a torcida deles. Dizem que o carioca tem essa mania de ir para a praia e depois pro jogo, mas quando eles chegaram lá a cidade já estava tomada. Ninguém acreditou quando viu aquilo. Foi uma coisa de louco, o Rio foi uma cidade tomada. É de arrepiar”.
“76 foi o primeiro chamado para o resto do mundo dizendo: ‘Não vacila com a gente que a gente invade, se der ingressos nós vamos, somos maiores que vocês, somos diferentes de vocês, somos mais do que vocês. Ali que o pessoal percebeu, 76 tem uma mística”.
24 anos depois, o extraordinário fenômeno que todos duvidaram que seria capaz de acontecer novamente se repetiu. Mas somente duvidaram porque não entendem do que se trata o Corinthians: o time das causas impossíveis e dos feitos inimagináveis. Pois quem diria que, em 2000, novamente a massa preta e branca invadiria o estado carioca? Mas dessa vez, em busca do título do primeiro Mundial de Clubes da FIFA. Após ser o primeiro colocado do Grupo A, passando por Raja Casablanca (MEX) e Al Nassr (SAU) e empatando com o Real Madrid (ESP), chegou a vez de enfrentar o Vasco no Maracanã.
“Tinham 30 mil corinthianos, que eu lembro que foi o que colocaram de ingressos para a gente. Eu lembro que foi uma coisa impressionante quando a gente entrou”, relembra Carlos. “Eu tive uma sorte ainda: nós ficamos na arquibancada verde, que o pessoal chamava na época, na parte de cima e de baixo. E do outro lado, no meio do estádio, na parte de cima, devido a demanda abriram um outro setor pequenininho que era a branca, que cabiam mais uns três mil corinthianos. Eu fiquei de frente pra nossa torcida. Eu vi o espetáculo de frente e assim você percebe melhor o tamanho do feito”.
Com um empate sem gols no tempo normal, a decisão foi para os pênaltis. E com o apoio do Bando de Loucos que dividiu o estádio com os cariocas, o Timão sagrou-se campeão mundial naquela noite para a explosão de mais de 30 mil corações corinthianos. “É uma coisa que nenhum rival faz. Eram 30 mil, quase meio a meio num Maracanã lotado. Foi uma coisa monstruosa que nenhum outro time faz nem vai fazer, 2000 foi lindo!”
Mas novamente se enganou quem pensou que as grandes invasões corinthianas se restringiam ao território nacional. A mais fiel torcida do planeta precisava mostrar as caras para o mundo todo. E foi assim que, em 2012, a indescritível torcida alvinegra realizou mais um feito histórico que entrou para os livros: atravessou o mundo e percorreu mais de 18 mil quilômetros, até chegar no Japão, em busca do bicampeonato mundial da FIFA.
Após ser campeão da Libertadores daquele ano, em julho, a equipe do técnico Tite viajou para o continente asiático em dezembro. Números conservadores dizem que mais de 30 mil torcedores estiveram em Tóquio para os dois jogos do Timão na competição. “O Japão foi um capítulo à parte, o Japão foi inacreditável. Corinthiano pra tudo quanto é lado, por onde você andava era ‘Vai Corinthians’, os japoneses até aprenderam o ‘Vai Corinthians’”, disse Catalão, saudoso.
Na primeira partida, contra o Al-Ahly (EGI), o Coringão venceu o duelo por 1 a 0, no estádio Toyota, garantindo a vaga na final contra o temido time inglês do Chelsea. “Aquilo foi demais. Naquele primeiro jogo foi quando eu percebi a dimensão do negócio. Olhei para as arquibancadas e vi que pelo menos 25 mil eram corinthianos mesmo, não japoneses vestidos com a camisa do Corinthians. Gente de todo lugar do Brasil e do mundo. Os japoneses se apaixonaram”.
Quatro dias depois, o Corinthians enfrentou na final o Chelsea (ING). E se nas arquibancadas a grande massa alvinegra fez sua parte apoiando o time do início ao fim, dentro de campo os jogadores também não decepcionaram. Em grande partida de Cássio, novo triunfo por 1 a 0, e título para um estádio de Yokohama pintado de preto e branco pelos torcedores do Timão.
Carlos, com sua experiência em invasões, conta: “O Japão foi uma coisa que marcou demais. No segundo jogo aquilo fica mais incrível ainda. 78 mil pessoas o público pagante e pelo menos metade daquilo ali era a gente. Num número conservador mesmo, é 30 mil corinthianos pelo menos. Algo que ninguém mais nunca vai fazer”. Todos os esforços e sacrifícios em prol do Corinthians foram recompensados pelos momentos eufóricos de celebração intensa do outro lado do mundo; o Corinthians era bicampeão mundial! “As histórias que você ouve são as mais sensacionais. De cara que vendeu a moto, cara que tá pagando até hoje, de cara que foi no dia do jogo fazendo várias conexões, acabou o jogo e foi embora fazendo mais conexões ainda”.
“Uma coisa é você pegar seu carro e atravessar a Dutra, que já é incrível, uma coisa é um bate-volta até o Rio. Mas agora ir para o Japão, o Japão é outra coisa né? É a torcida do Corinthians se superando. Pra mim, talvez a do Japão seja a mais impressionante”, conta o corinthiano de 42 anos, que afirma com toda certeza: “Foi o melhor dia da minha vida!”
Em fenômenos sem precedentes, as três invasões corinthianas entraram para a história do futebol brasileiro e mundial, a Fiel Torcida tem seu nome cravado nos livros de história e surpreendeu milhares de pessoas, que hoje já não duvidam do que o Bando de Loucos é capaz de fazer pelo seu time. Seja no Rio de Janeiro, no Japão ou em qualquer outro lugar do mundo. Seja nas décadas passadas, há seis anos atrás, no seu presente que é uma lição ou no que ainda está por vir. O DNA do corinthiano traz consigo as histórias das invasões. “Isso nós vamos fazer pra sempre”, finaliza Catalão.
Corinthians, Invasões, Fiel, Timão
O Maracanã é nosso. Assim como o Pacaembú.