A ignorância é uma bênção. Não é. Mas tem dia em que eu gostaria que fosse.

A ignorância de gênero, por exemplo.

Seria mais fácil lidar com o descaso às mulheres escancarado pelo caso Cuca.

Integrantes de seis torcidas organizadas do Corinthians, incluindo a Gaviões da Fiel, fizeram hoje um protesto em frente ao Centro de Treinamento do clube. O alvo eram a diretoria e o elenco, com direito a uma encenação dramática do jogador Luan, deitado em um caixão, de cigarrinho na lateral da boca e tudo.

Os ânimos se acalmaram com a presença de Vanderlei Luxemburgo, o substituto de Cuca, naquela já tradicional e bizarra cena do futebol brasileiro: a satisfação à torcida organizada.

O protesto virou apoio e o dia terminou sem incidentes.

Sabe quando não teve protesto desta monta? Na contratação de um treinador condenado por relações sexuais com uma menor. Houve movimentos na internet e manifestações nas arquibancadas (especialmente de mulheres), mas não teve revolta. Revolta dessas capazes de reunir as principais organizadas.

Mesmo à luz dos detalhes mais sórdidos, predominou a calmaria em Itaquera — e em tantos outros lugares.

Não deveria surpreender, então, que o respeitado jurista Miguel Reale Júnior escrevesse hoje para o Estadão: "Cuca é um personagem público e sua vida importa, como hoje importam os comportamentos ofensivos à liberdade e à integridade da mulher".

Não importavam antes, caríssimo causídico? Agora que passaram a importar, é justo que discutamos o assunto?

Quiçá a verdade seja ainda pior. Não importavam antes e não importam agora esses "comportamentos ofensivos". Assim como o ilustre advogado não se importou em usar o termo "índio", em pleno 2023.

Ah, a ignorância. Talvez seja uma bênção mesmo.

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