4/4/2014 10:41

Vizinho de Itaquera, hospital fica fora do 'legado da Copa'.

Obras atrasadas no Hospital Santa Marcelina, em Itaquera

Vizinho de Itaquera, hospital fica fora do 'legado da Copa'.
"É um dia muito especial para mim e para a Zona Leste. A Copa vai deixar um legado social muito grande aqui", disse no dia 16 de setembro de 2011, em visita às obras do futuro estádio do Corinthians, em Itaquera, o craque Ronaldo, integrante do Comitê Organizador da Copa do Mundo de 2014, ao lado do governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, e do então prefeito, Gilberto Kassab.
Em 19 de agosto de 2013, Jerôme Valcke, secretário-geral da Fifa, reforçou: "Quando olho para esse estádio, há dois elementos para enfatizar: o legado para a Zona Leste e o fato de ser um local construído pelo futebol, por um clube."

Se do alto do terreno onde será jogada a primeira partida da Copa, dia 12 de junho, entre Brasil e Croácia, Ronaldo e Valcke firmassem o olhar mais a Leste, eles avistariam o Santa Marcelina, maior hospital da região mais populosa de São Paulo, respondendo por 4,2 milhões dos cerca de 11 milhões de moradores da cidade.


Avisos anunciam que não há atendimento

A reportagem do ESPN.com.br esteve na última terça-feira no Santa Marcelina e ali, a menos de 3 km do estádio, o legado ainda não chegou.

Já na fila do atendimento de emergência aos pacientes do SUS - Sistema Único de Saúde -, o serviço nacional de saúde pública, papéis colados na parede previnem: ‘Informamos que devido a SUPERLOTAÇÃO O PRONTO SOCORRO EMERGÊNCIA CIRÚRGICA encontra-se impossibilitado para novos atendimentos'. O aviso também valia para os pronto socorros de emergências clínica e ortopédica. Tampouco havia, segundo as notificações, psiquiatras no plantão.

"Falta médico, ninguém quer trabalhar na Zona Leste. Eles ganham pouco e ainda são agredidos pelas pessoas que se irritam com a demora para serem atendidas", testemunhou uma enfermeira de hospital do Itaim Paulista, bairro próximo a Itaquera. "Lá no Itaim é assim e aqui, também."


Pacientes esperam horas por atendimento

Horas na fila

No pronto socorro dos pacientes de convênios particulares, a espera na última terça-feira era longa: 3 horas para atendimento pediátrico e quatro horas para emergência clínica.

Havia quem estivesse lá por mais tempo. Rosa Maria de Oliveira, agente escolar, 53 anos, pegou sua senha às 9h e por volta das 12h45 ainda não tinha sido medicada. "Disseram que estou com a pressão alta, mas ainda não me deram remédio, não me disseram mais nada."

Do outro da sala seca - havia água no bebedouro, mas não copos -, quente e lotada, aguardavam pais e mães com suas crianças. Valdilene do Nascimento, 38 anos, auxiliar técnica, consolava desde as 8h seu filho Isaac, que sofria com febre e vômitos. Às 12h51, um Isaac foi chamado por uma das enfermeiras. Valdilene levantou em vão. O Isaac - de Souza Marques - não era o seu Isaac.

Protestos e lamentações se repetiam enquanto no alto da parede, em uma televisão, um programa esportivo exibia imagens dele, Ronaldo, o Fenômeno. Se lembrariam os doentes da frase do ex-atacante? "Não se faz Copa do Mundo com hospital."

Trabalho atrasado

Deveria ficar pronto em abril, mas pelo andar da obra, é difícil de acreditar. Assim como o estádio da primeira partida da Copa, a ampliação do pronto socorro do Hospital Santa Marcelina parece longe de terminar. Em meio a uma faixa que se desculpa pelo transtorno e uma estátua de Santa Marcelina, misturam-se as imagens de uma caçamba cheia de entulhos, um trator derrubando paredes e operários em serviços.

O Santa Marcelina é uma entidade filantrópica que atende clientes particulares e, especialmente, pacientes do SUS, que representam 87% dos atendidos. O hospital não é público, mas recebe investimentos estatais, como bem indica uma placa do governo de São Paulo em frente aos andaimes.

Em janeiro deste ano, por exemplo, Geraldo Alckmin anunciou um auxílio de R$ 25,6 milhões que ajudará a financiar o projeto de três pavimentos em aproximadamente 2,5 mil metros quadrados de área construída concentrando todas as portas de entradas de urgência e emergência do SUS. A expectativa é de que 12 a 15 mil pessoas por mês sejam atendidas.


Vista do hospital; ao fundo, à esquerda, o estádio da Copa

"O Santa Marcelina será referência para os jogos da Copa do Mundo, já que a abertura da Copa será aqui em Itaquera. Em abril, fica pronto o novo pronto-socorro, e nós teremos aqui um belíssimo pronto-socorro para atender quem precisa, atender a população e também como referência para a abertura da Copa", disse, na época, Alckmin.

Não é comigo

Em contato com a reportagem, a assessoria de imprensa da secretaria de saúde estadual fez questão de ressaltar que o governo simplesmente repassa as verbas e que não tem qualquer relação com a administração do hospital ou com a gerência das obras.

Ainda assim, a gestão Alckmin se envolveu com a Copa do Mundo e seu entorno ao atrair parceiros para a instalação das arquibancadas provisórias do estádio do Corinthians e ao participar da construção do Complexo Viário Polo de Itaquera, conjunto de obras que visam melhorar o trânsito local e custarão R$ 548,5 milhões, sendo R$ 397,9 milhões bancados pelo estado e R$ 150,6 milhões pela prefeitura.

Prefeitura que concedeu R$ 420 milhões de isenção fiscal ao estádio em forma de Cids - Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento -, o equivalente a mais da metade do custo inicialmente previsto para a casa corintiana, de R$ 820 milhões.

As assessorias das secretárias estadual e municipal não responderam até o momento da publicação desta matéria se houve algum esforço adicional para que hospitais públicos atendam eventuais pacientes vítimas das obras do estádio, onde três pessoas já morreram e do entorno, se aumentou o investimento nos hospitais públicos da Zona Leste ou se a capacidade dos leitos consegue atender à demanda de pacientes da região.


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4776 visitas - Fonte: ESPN.com.br

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