14/8/2019 07:45

Entenda porque o futebol feminino do Corinthians bate recorde de vitórias e protagoniza mudanças

Arthur Elias explica sucesso do Timão, endurece discurso contra calendário montado pela CBF e fala em responsabilidade em praticar um futebol ofensivo: "Tenho convicção na evolução"

Entenda porque o futebol feminino do Corinthians bate recorde de vitórias e protagoniza mudanças
O recorde de 25 vitórias seguidas conquistado pelo time feminino do Corinthians não foi à toa. Técnico do Timão desde 2016, quando ainda havia uma parceria com Audax, Arthur Elias tem uma ideia clara dos fatores que levam sua equipe ao sucesso.

Mais do que isso, responsável por gerir o departamento ao lado de mais 17 pessoas (contando a base), tem uma visão bem desenvolvida desde o macro até o micro do que envolve o futebol feminino no Brasil. Por isso, é duro ao criticar, por exemplo, o calendário montado pela CBF.

– Não estamos acima dos demais times, mas temos algumas vantagens: tempo de trabalho, condições de trabalho muito boas e investimento. O grau de competitividade do futebol feminino já é alto, mas vai aumentar. Tudo é uma questão de tempo, estrutura e investimento. É questão de saber usar as vantagens que temos – disse, em entrevista exclusiva ao GloboEsporte.com.

Nesta quarta-feira, às 15h, o time de Arthur disputa o primeiro jogo das quartas de final do Brasileirão, contra o São José, fora de casa. O jogo de volta, ainda sem data confirmada, deve acontecer no dia 22 de agosto, no Parque São jorge. Entre as duas partidas, a equipe ainda joga contra a Ferroviária, pela terceira rodada da segunda fase do Paulistão.


Chamado de "louco" no começo da carreira, Arthur "comprou a briga" das meninas há muitos anos. Por isso, o calendário, apertado pela CBF em sete meses, deixando as decisões dos campeonatos juntas e outros meses vazios, é motivo de irritação.

Além do Brasileirão e do Paulistão, o Corinthians ainda vai disputar a Libertadores da América, em outubro, em Quito, no Equador.
– Precisamos de um calendário mais organizado na categoria principal. Durante todo o ano, nós jogaremos apenas sete meses e meio. Poderemos fazer até 47 jogos oficiais, o que considero um bom número. O inacreditável é que todos os campeonatos são decididos no mesmo período. Teremos uma sequência enorme de jogos duas vezes por semana – explica.

A logística, por exemplo, nem sempre é simples: para jogos a menos de 500 km de distância de São Paulo, o deslocamento é custeado de ônibus. Avião apenas para destinos mais distantes. Com uma sequência intensa, o descanso nem sempre é o adequado. A CBF argumenta estar em constante comunicação com a Federação Paulista de Futebol para ajustar a data das partidas.

– A Libertadores vai ser disputada em cidade com altitude. Pelo calendário, não teremos tempo hábil para um planejamento adequado. Não tem lógica um acúmulo tão grande de jogos nas fases decisivas das competições e tantos meses ociosos.



Confira a entrevista exclusiva do técnico Arthur Elias ao GloboEsporte.com:

GloboEsporte.com: Quais as principais mudanças necessárias para a evolução e melhora do futebol brasileiro feminino?

Arthur Elias: O que precisamos urgente desenvolver é a base, um trabalho com sequência mais cedo. Hoje, estamos falando de campeonatos sub-18 ou 17, mas precisam começar a competir com dez ou 12 anos. É assim que se pensa em desenvolvimento mais sólido para dar conta da demanda grande que vamos ter. Uma coisa está sempre ligada a outra para termos um futebol melhor. É preciso conquistar o público com bom futebol. É uma geração de receita importante o público no estádio. Patrocínio, mercado e receita de TV... Isso gerando retorno para quem transmite, algo que ainda não existe. Para a modalidade ser autossustentável.

O que pode ser feito em relação ao calendário?

– Tiramos a oportunidade das equipes conseguirem treinar, recuperar suas jogadoras e se prepararem melhor para os jogos mais importantes do ano. Isso certamente interfere negativamente na qualidade dos jogos. Neste momento, as semifinais e finais do Brasileirão e Paulista estão agendadas para os mesmos dias. Sem contar que a divulgação dos jogos seria muito mais interessante se cada campeonato tivesse seu grande momento. As entidades divulgam o calendário do feminino somente em dezembro do ano anterior ou até janeiro e fevereiro do mesmo ano. Isso prejudica o planejamento técnico das equipes, captação de patrocínio e promoção da modalidade.

– Em São Paulo, temos clássicos acontecendo nesta segunda fase, mas concorrem com o mata-mata do Brasileirão e logo com as finais. Isso precisa mudar urgentemente. No calendário atual, muitas equipes ficam seis ou sete meses sem jogar. O problema não é o número de jogos, mas a má distribuição deles.
Por que o Corinthians consegue ter tanto sucesso no feminino? De quem são os méritos?


– O que o Corinthians fez foi confiar o departamento a pessoas que conhecem a modalidade, que gostam, que fazem com respeito, que buscam o melhor possível para a instituição. Soubemos mostrar para o clube qual o norte do nosso trabalho. A retomada com o Audax foi muito importante, porque Corinthians já teve problemas anteriores com time feminino, tivemos uma resistência interna e conseguimos reconquistar o clube, o espaço e desenvolver. Foi passo a passo.

– Hoje, temos um departamento que precisa de melhorias, mas que tem uma das maiores visibilidades do país por contratar profissionais para que isso aconteça. Fomos atrás de parcerias para preencher as lacunas. Clube tem estrutura boa. Os clubes grandes não precisam seguir modelo, mas entender cada instituição. Às vezes, há falta de visão, de planejamento. Sabemos que é possível trazer retorno, é questão de organizar.

E com tudo isso, pensava em chegar ao recorde de vitórias no Brasil?

– É uma coisa que a gente jamais pensou, não tínhamos esse conhecimento. Acho só que é um prêmio que não esperávamos no meio do caminho. Trabalho árduo tem dado resultado. E é só um resultado no meio do caminho que esperamos alcançar. O objetivo é brigar por todos os títulos que disputamos. Estudamos os adversários, jogamos da maneira que a gente treina. Vencer jogo a jogo. Chegamos assim nesse números. Que esses números possam nos dar conquistas.

Você já disse ter escolhido o futebol feminino por enxergar nele um caminho estável. Mas sofreu para chegar até o Corinthians. O que mais te motivou a não desistir?

- Olha, a minha adaptação com as meninas, com o gênero, de ter me apegado a causa, a luta delas. Cada menina tem sua história, muitas vezes semelhantes, de enfrentar desafios, barreiras e preconceito para simplesmente jogarem futebol. Quando você está dentro, acompanha aquilo, é um lado que te pega. Briga que comprei nessa trajetória toda. Pensando profissionalmente, foi essa a minha visão. Até demorou mais do que eu esperava o crescimento. A questão de como eu poderia crescer profissionalmente no meu trabalho, estando à frente das decisões. Eu trabalhei muito, mas sou muito realizado no futebol profissional.


E foi chamado de louco...

– Escutei bastante que era louco, que nunca iria dar certo, os motivos de eu estar fazendo aquilo, sem receber salário. Trabalhava em outros times, outros projetos, tinha outras fontes de renda e escutava que não iria chegar em nenhum lugar dessa maneira. Perdi muitos profissionais que estavam comigo. Persisti, me cerquei de outros, e conseguimos chegar. Faz parte da cultura que tem melhorado. O feminino agora tem tido um olhar um pouco mais justo.

*Nota da redação: Arthur começou a carreira como técnico no futsal universitário. Escolheu trabalhar com futebol feminino em 2006, com um time da Universidade de São Paulo (USP). Passou por Nacional, Centro Olímpico e Audax antes de assumir o Corinthians/Audax, em 2016.

Você entende que a evolução e a visibilidade vão continuar após o "boom" da Copa do Mundo? É um caminho sem volta?

– Eu tenho convicção de que a evolução vai continuar. A visibilidade é muito importante e acho que os números que vimos, as coberturas que estamos tendo agora, o retorno em termos de audiência, patrocinador satisfeito com o dinheiro que colocou... São várias boas notícias, acho que tende a crescer. Outro fator é o econômico. Temos vários mercados do feminino pelo mundo se desenvolvendo, se movimenta mais dinheiro, clubes grandes do mundo estão trabalhando de forma profissional com o feminino, o mercado está acontecendo e está chegando no Brasil. Há só margem para crescimento. Do ponto de vista competitivo, isso também tem melhorado. Os clubes estão mais organizados, profissionais melhores trabalhando.

Essa evolução no Brasil passa pela profissionalização do futebol feminino? Os campeonatos ainda são tratados como amadores...

– No momento atual, fica a critério do clube. Fazer profissional ou não. Seguir modelo do masculino ou da maior parte dos esportes. Cada clube opta por fazer o contrato da maneira que entende melhor. Às vezes, você pode fazer um contrato profissional e oferecer condições não tão profissionais do que um clube que oferece contrato amador, mas que a atleta tenha condição profissional, até benefícios maiores do que em CLT. Coloca-se CLT, mas não coloca o valor inteiro do salário. O que a gente entende é que esse passo está muito próximo. Profissionalizar as atletas pensando nelas e no mercado e continuar oferecendo a estrutura que temos.


– Mas isso teria que ser motivado pela CBF e as federações. A hora que fizerem competições profissionais, os clubes serão profissionais. Isso ainda não foi feito pois prejudicaria muitos clubes, como os de prefeitura, seria um tiro no pé até pouco tempo atrás. Entendo que o desenvolvimento já está mais consolidado e pode ser uma decisão tomada em curto espaço de tempo. O que já escutamos muito é a incoerência é o campeonato não ser profissional e o time que é, como o Santos, tendo prejuízo. Vejo que a modalidade está sim preparada. Talvez o ideal seja a primeira divisão ser profissional e a segunda não ter essa exigência.

O Corinthians tem 92 gols marcados em 27 jogos até aqui. Nitidamente, você é adepto do futebol ofensivo. Como define seu time?

– Olha, temos como mentalidade fazer um jogo de imposição. Criar mais chances do que o adversário. Controlar o jogo, sempre buscando ter superioridade no aspecto tático, mental. Isso acho que temos conseguido. Então, é só um reflexo daquilo que a gente treina todos os dias, daquilo que a gente faz.

– Pensamos, sim, em futebol ofensivo, porque é uma obrigação nossa. Dentro do grupo que temos, temos essa responsabilidade de fazer um futebol bem jogado e, na minha maneira de ver, futebol bem jogado é sempre ofensivo.
– Onde as jogadoras colocam em prática alguns mecanismos para facilitar o jogo para elas, se sentirem confortáveis dentro do campo. Jogo apoiado, mas também objetivo. Jogo que elas se sintam à vontade para jogar, que gere dúvida no adversário, isso é sempre importante. Gerando dúvida na marcação adversária, encontramos mais espaços.


VEJA TAMBÉM
- Timão escalado para o jogo contra o Argentinos Juniors
- Reserva do Corinthians, Carlos Miguel é sondado por clubes do Brasil e da Europa
- Timão escalado para o jogo contra o Juventude









4170 visitas - Fonte: -

Mais notícias do Corinthians

Notícias de contratações do Timão
Notícias mais lidas

Por que o Arthur Elias ainda não é o técnico da seleção brasileira feminina?

Enviar Comentário

Para enviar comentários, você precisa estar cadastrado e logado no nosso site. Para se cadastrar, clique Aqui. Para fazer login, clique Aqui ou Conecte com Facebook.

Últimas notícias

  • publicidade
  • publicidade
    publicidade

    Brasileiro

    Dom - 16:00 - Neo Química Arena -
    X
    Corinthians
    Atletico-MG

    Sudamericana

    Ter - 19:00 - Neo Química Arena
    4 X 0
    Corinthians
    Nacional Asuncion
    publicidade
    publicidade
    publicidade